📌 26 de Julho, 2015

Orgulho Open-Source

Informática · Linux · Programação

Estamos num década em que o open-source tem ganho terreno a soluções proprietárias a uma velocidade nunca antes vista, especialmente os sistemas operativos Linux em plataformas móveis e computadores pessoais. Muitos entusiastas, programadores ou não, envolvidos no open-source gabam-se orgulhosamente dos seus projectos ao escrever e partilhar notícias como estas:

Munique poupa 11 milhões de euros ao mudar para Linux:

Ao mudar do Windows para o LiMux (…) a cidade alemã de Munique poupou mais de 11 milhões de euros, até agora, em comparação com os custos de uma migração semelhante para uma mais moderna infra-estrutura de TI da Microsoft.

Universidade Espanhola migra do Windows para o Ubuntu! Confira:

Open Source estão se tornando poderosas alternativas ao software proprietário e a prova disso é que muitos municípios, governos e empresas estão adotando soluções de código aberto, e agora está acontecendo nas escolas e universidades também. Os Augustinian da Universidade de León na Espanha também aderiram a esse mundo maravilho que já conhecemos.

Greek Town Livadeia Kicks Out Microsoft Office For LibreOffice:

The administration of Greek town Livadeia has decided to get rid of Microsoft Office for open source alternative LibreOffice. This switch to LibreOffice was announced in May this year as a part of the city’s government modernization plan.

Orgulho ou Cegueira?

Apoiar open-source e migrar para ele são boas iniciativas, no entanto a maioria dos entusiastas são fanboys e deixam de ser apenas orgulhosos nos seus projectos e passam a sofrer de “cegueira open-source“.

Pensam que estas mudanças para open-source significam evolução e que finalmente a melhorar a gestão das instituições públicas, mas na verdade não é isto que está a acontecer.

O poder nas instituições não mudou, o que mudou foram as circunstâncias. Hoje atravessamos uma crise e isto leva as administrações a pressionar os departamentos para cortar custos. Para um departamento de informática custos também são licenças de software — assim os seus responsáveis criam programas de migração para open-source.

Estas mudanças acabam por ser apoiadas por departamentos de comunicação que desenvolvem campanhas para enfatizar as vantagens convencendo as pessoas de que a mudança é positiva.

Os fanboys estão a deixar passar ao lado o óbvio, provavelmente devido ao seu grande orgulho. Relembro que:

  • Mudança: As pessoas têm dificuldade em lidar com mudanças, ninguém tem trabalho só porque agora é moda utilizar open-source, a mudança só acontece quando existe um motivo muito forte;
  • Investimento: A mudança requer grandes investimentos directos em requalificação do pessoal / contratações ou indirectos em danos ao negócio por “indisponibilidade informática”.  Este investimento não estaria contabilizado no orçamento do departamento de informática e teria sempre de ser autorizado pela administração que, em plena crise, não iria autorizar;
  • Descrédito: Nos meios em questão o open-source é completamente descreditado porque “é mau”, “não tem suporte”, “é inseguro” ou qualquer outra justificação de quem tem medo de enfrentar a mudança porque passou os últimos 20 ou 30 anos a gerir soluções proprietárias.

Tendo isto em conta uma mudança para open-source só poderia acontecer caso a administração autorizasse. Como as administrações não são constituídas por técnicos a sua única visão das coisas é puramente financeira. Se foi adoptado open-source foi apenas um resultado indirecto de uma imposição financeira da administração e não razões técnicas.

Orgulhos de Parte

Eu estou envolvido em vários projectos open-source e utilizo Linux e em certas circunstâncias defendo-o. No entanto não fico “cego” e deixo de ver o óbvio: Software Open-Source tem Custos OcultosLinux Não É Tão Bom Como Dizem ou Linux Mais Caro? Talvez.

A verdade é que o Linux / open-source é de facto bom muito bom se pensarmos que é gratuito, mas isto não quer dizer que seja barato e apropriado para tudo. Em resumo podemos dizer que é mau em:

  • Out-of-the-box: São poucas as soluções open-source que funcionam depois de serem descarregadas. É preciso configuração adicional ou até programação (integração) ou lidar com interfaces complexas — isto não está ao alcance da maioria das pessoas;
  • Tempo de Desenvolvimento: Ao contrário de outras plataformas, em termos gerais, é necessário mais tempo de desenvolvimento para ter soluções prontas a utilizar. Ou por inexistência de frameworks, ou porque são fracas.
  • Suporte Comercial: Existe pouco software comercial para Linux. Software Adobe, Autodesk e Microsoft Office não existe para Linux. Isto tem impactos na produtividade por falta de software de qualidade ou dificuldades de partilha de documentos com utilizadores de Windows / OSX.

Podemos dizer que o Linux até pode ser a solução indicada em servidores web, routers / gestão de redes (infra-estrutura) etc. Nestes sistemas permitem de facto cortar custos a médio prazo (depois de amortizar o investimento em desenvolvimento / recursos humanos para a configuração inicial). Nos restantes casos, nem por isso.

O Caso Android

Muitos poderão contra-argumentar dizendo que o sucesso do Android é uma prova que é Linux e open-source são o futuro e podem estar em todo lado, no entanto dizer isto é ignorar a realidade:

  • Baixa Qualidade: Raros são os utilizadores que dizem que nunca tiveram problemas com Android;
  • Não é Open-Source: Aquilo que o utilizador comum usa, não é Android open-source, é uma versão modificada pelas operadoras, marcas etc de código fechado;
  • Sem Concorrência: O Android só conseguiu o mercado que tem, porque não tinha concorrência no segmento a que está orientado. Relembro que o target principal do Android não são telefones topo de gama, mas sim a distribuição em massa em telefones de baixo custo. O único sistema concorrente ao Android é o iOS no entanto como a Apple não têm telefones baratos. Estão assim apenas em concorrência numa pequena fatia de mercado, a dos topo de gama;
  • Marcas: Ao adoptar Android os fabricantes de telemóveis deixaram de ter encargos de desenvolvimento em soluções in-house e suporte.

Do ponto de vista de marketing a Google lançou muito bem o Android. Aproveitaram o lançamento do iOS, um sistema bem trabalhado e de elevada qualidade juntamente com a incapacidade das marcas desenvolveram algo concorrente para introduzir o Android, gratuito. Com esta “oferta” as marcas, já sem capacidade de desenvolvimento, viram o Android como a solução e adoptaram-no.

Qualquer sistema operativo proprietário com a mesma estratégia de marketing que o Android a ser lançado no seu lugar, teria-se transformado naquilo que o Android hoje é, desde que o preço fosse competitivo para os fabricantes. E teria claramente mais qualidade.

Aumento de Qualidade vs Redução do Custo

As instituições ao mudar para open-source tanta cortar custos de forma radical acabam por o fazer da pior forma. Migram aquilo que não deveria ser migrado e não migram o que deveriam. Levanta-se então a questão:

Estamos a assistir a uma degradação e clara miséria destas instituições, já nem capital para licenciamento de software proprietário têm. Os responsáveis pela informática, de competência duvidosa, pressionados por administrações. adoptam a solução mais fácil sem perceber as suas implicações.

As universidades como a Espanhola, que mudaram para Linux, não o fizeram por ser uma boa medida pedagógica ou por questões de qualidade, fizeram por questões puramente financeiras e isto leva a uma redução gradual da qualidade de ensino. Se fosse uma medida pedagógica, como anunciaram, os computadores teriam dual-boot.

Fernando Lanero da Universidade Augustinian College de León falou sobre sua transição do Windows para o Ubuntu. Eles tinham muito trabalho a fazer, mas não com o sistema em si, mas com o resto do corpo docente que teve dificuldades para migrar.

Se o corpo docente teve dificuldades em migrar é claro que a ideia não partiu dele.

Sejamos realistas, as interfaces gráficas, software open-source de utilização diária (office, email etc) são más. A qualidade de plataformas como Windows ou OSX só é conseguido porque existem empresas completamente dedicadas a trabalhar nesses sistemas. Já no open-source isto é mais complicado porque não existe orçamento (ou motivação) para contratar designers, ou auditores para garantir a qualidade do software destinado ao utilizador final.

A grande maioria do desenvolvimento de open-source baseia-se em tentativa e erro e melhoramento progressivo de algo que já funciona. Software como Apache (servidor web) são claramente superiores ao IIS da Microsoft devido ao número muito superior de programadores envolvidos a corrigir problemas quando tentam utilizar e não funciona de acordo com as expectativas — não é propriamente planeado, mas acaba por ser superior devido à quantidade de indivíduos envolvidos e processos mais eficientes.

Munique — A Prova

Já deixei bastante gente desconfortável com este artigo, vou apresentar mais uma prova da minha opinião. A cidade de Munique mudou para Linux e  poupou cerca de 11 milhões de euros. No entanto…

Dez anos depois (…) confirmam que afinal a mudança de Windows para Linux foi um desastre. Ao que consta (…) o governo teve necessidade de (…) desenvolver certas funcionalidades para alguns serviços. (…) desenvolvimento de software, melhoria de drivers, contratos de manutenção, entre outras despesas… acabaram por ter um valor superior à manutenção (…) do Windows.

Depois o problema da produtividade, já que os funcionários tiveram de mudar a forma de trabalhar e, ao longo destes dez anos, sempre tiveram sérias dificuldades no tratamento de documentos (…).

Existem mais casos como este, isto é a melhor prova que posso apresentar de como este tipo de migrações é feita com base em restrições financeiras impostas e por pessoas de competência duvidosa que não avaliaram correctamente os riscos.

Em Munique a escolha open-source passou de uma forma de cortar custos a um buraco financeiro. Altos investimentos foram feitos para a migração depois a produtividade baixou e agora estão a reconsiderar uma mudança novamente para soluções proprietárias o que levará novamente a elevados custos de implementação.

Concluindo

É interessante ver como a crise criou moda open-source mas preocupante porque quem sai prejudicado aqui é o utilizador final com software de qualidade mais baixa. Se chegarmos ao caso um sistema operativo open-source ganhar uma cota de mercado razoável será apenas por baixo preço, como a Google fez com o Android — não será por qualidade.

Isto levará a que a Microsoft e Apple baixem a qualidade dos seus produtos por uma razão simples: Porquê desenvolver soluções boas quando as pessoas não se importam de utilizar as más, desde que sejam baratas…